Quando a pop é mais que popular
Há duas formas de definir a pop. Ambas envolvem matemática mas são diferentes entre si. Uma tem a ver com a forma. A pop enquanto estrutura convencional e normativa, reverente para com as regras de uma canção: verso, refrão, outra vez verso, solo e refrão. Especialistas em análises de dados musicais defendem que o refrão deve entrar até aos 40 segundos, no limite. Uma outra mede a pop pelo impacto. Pop enquanto abreviatura literal de popular. As duas estão intrincadas uma na outra mas podem não ser um espelho. Há muita música formatada que não chega a ser popular e o inverso também é verdade.
O que pode fazer a diferença nas flutuaçōes da pop não é o impacto mas a credibilidade. Estaremos a viver um período de fertilidade em que a pop transmite significados? Se se lembrou de Harry Styles, Dua Lipa, Billie EIlish ou Rosalia, a resposta é sim. Cada um à sua maneira, são figuras que dão bom nome à pop e derrubam preconceitos. Formais e identitários. Minam o sistema por dentro, ou pelo menos lutam por quebrar o instituído.
Todas as boys band têm o seu rebelde: Robbie Williams nos Take That, Justin Timberlake nos N’Sync e Harry Styles nos One Direction. Era previsível que o mais carismático do grupo fosse o mais bem sucedido a solo, mas Styles tem elevado a barra, e contribuído visualmente para que assuntos como a identidade de género sejam bem tratados dentro da arte popular. Isto é, com honestidade e coerência. Depois da loucura pelo concerto na Altice Arena, para o ano há mais no Passeio Marítimo de Algés a 31 de julho. É loucura a dobrar.
Algo semelhante ao que sucede com Billie Eilish na relação interdependente com as causas. A Greta Thunberg da pop surgiu com a mensagem certa no momento certo, acompanhando a geração mais consciente de questōes como a liberdade sexual, a igualdade racial, e a destruição ambiental do planeta. Partindo de uma ideia de menos com mais, em que o quarto é o mundo, e a intenção se sobrepōe à perfeição, não se pode dizer que Billie Eilish tenha trazido novos mundos ao mundo, pensando em figuras como Lorde, mas a mensagem passou e devolveu uma ideia de contra-cultura quase esquecida no espaço da música popular. A sua influência é invulgarmente transversal.
O feminismo é um dos veículos de Rosália, mas neste caso, a afirmação identitária começa por ser geográfica e descentralizadora. A catalã afirmou um novo flamenco quando globalmente o mundo descobria novos ritmos e danças, do funk carioca ao reggaeton, ou o afro-pop. Rosália pode não ser a voz global mais ouvida – esse título pertence nos últimos dois anos a Bad Bunny – mas é de longe a figura que, de entre as mais mediáticas, tem contribuído para mudar os centros da pop, obrigando a indústria a repensar a sua relação não apenas com o catálogo local mas sobretudo com as culturas locais. É verdade que da modernização lustrosa do flamenco de El Mal Querer já pouco resta em Motomami, ou singles intermédios como Con Altura, mas quem ouça o mambo desgovernado de Despecha reconhece uma vontade de reciclar a memória de forma a construir novas relaçōes e a criar novas sensaçōes.
Dua Lipa talvez encaixasse no perfil de artista pop mais reconhecido pela forma e pelo entretenimento do que pelo discurso, mas se olharmos ao impacto junto da comunidade LGBT, talvez seja pecar por defeito não reconhecer outras virtudes. A relação com o disco não é apenas musical ou cromática. Sim, o disco sound é uma fonte irresistível de prazer que o auto-denominado Future Nostalgia explora até à quinta casa, mas atrás dela vêm outras ligaçōes com a sexualidade, o hedonismo, a liberdade e a identidade de género que Dua Lipa tem explorado através da música, da imagem e de um espectáculo irresistível.
Figuras pop a produzir música relevante não faltam. Podíamos juntar The Weeknd aos citados. Ou Charli XCX, Rina Sawayama ou Sam Smith com uma agenda de interesses e defesas, por exemplo da causa LGBT. Isto para não falar de Beyoncé ou Lady Gaga. De Anitta ou dos BTS. É o suficiente para manter a pop excitante, não?
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