2024: o futuro da música vem de dentro
Impossível antecipar 2024 sem olhar pelo retrovisor para o ano que ainda agora terminou. Foram doze meses fortíssimos de música portuguesa sem um álbum-eucalipto como no passado recente foram 2 de abril, de A Garota Não, Casa Guilhermina de Ana Moura, Mundo Nobu de Dino D’Santiago ou The Art of Slowing Down de Slow J. Por falar em Joāo Batista Coelho, Afro-Fado leva o prémio da unanimidade, dizem os números de álbum mais ouvido de sempre em Portugal em dia de estreia, e duas Altice Arenas esgotadas. Se a sala estiver na capacidade máxima, são quase 40 mil impressionantes bilhetes.
Inacreditável, em qualquer circunstância, embora já nāo inteiramente surpreendente. Por Slow J, aclamado, amado e reconhecido, mas também por ser o símbolo de excelência de um movimento musical que não se define pelo género mas talvez por trazer sangue da rua. De Dino a Bispo, de Ivandro a Plutónio ou os Wet Bed Gang, há uma grande família musical que, coincidentemente, está entre as preferências dos portugueses. Sinais dos tempos, de uma mudança que se fez norma, pōe a música nas bocas do povo e, por consequēncia no topo dos gostos.
Mais importante do que um nome ou vaga, é o todo. E hoje, a soma de muitas partes tem um mantra: a busca por uma identidade local construída sobre um pensamento global. O problema da auto-estima que durante tantos reduziu a música portuguesa a um complexo de inferioridade face ao exterior tem os últimos dias contados. A língua, durante anos observada como um problema métrico de expressão, é parte da solução. Não sendo uma obrigação, é uma ferramenta determinante de conexão e partilha.
Mais do que nunca, a música portuguesa reflecte o chão comum do país, e as muitas especificidades culturais, sociais, económicas, geográficas e históricas. Portugal ainda é um país macrocéfalo mas a geografia pop está em expansão, não apenas na sede de quem a cria, mas na tradução de vivências locais. E a memória, das muitas tradições, é um barro em reconstrução constante.
As estatísticas não mentem. Os consumos de música portuguesa cresceram. Mas principalmente, a grande mudança está na mentalidade. Perdeu-se o complexo de ser e o medo de gostar. Ainda nos falta entrar nos circuitos de exportação. Portugal é um país demasiado pequeno na geoestratégia global mas quanto maior for a força do mercado nacional, e mais grosso for o carimbo na assinatura, mais perto estaremos de ver Pedro da Linha a trabalhar com Rihanna, ou termos as nossas Rosalias e Stromaes por direito próprio.
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