Concertos com História #10: Nirvana em Cascais
É quase uma simetria. Kurt Cobain morreu há 30 anos num 5 de abril. Os Nirvana deram o único concerto em Portugal a 6 de fevereiro de 1994. Ainda teriam mais dez pela frente até a luz do palco se apagar a 1 de março desse ano em Munique, antecipando precocemente o final da In Utero Tour. Um mês antes de o Jesus loiro se auto-sabotar, frustrado consigo mesmo, perdida a luta contra moinhos de vento. Magro, desgrenhado e desalentado.
A história confirma-o. Mais do que um concerto, foi um acontecimento. Uma noite única a anunciar o fim do choque eléctrico anos 90 contraculturais, punk e rebeldes, capturados pela máquina que fez deles modelo caricatural. A ganga esburacada, os All-Star rasgados, a flanela e as T-Shirts contrafeitas. Tudo de marca. As capas da Rolling Stone e a omnipresença na MTV. Kurt detestava. Tanto que abdicou.
“A indústria é uma merda, está cheia de mentiras, há tantas bandas incrivelmente boas que tu nunca ouviste porque as editoras não estão dispostas a investir dinheiro nelas”, desabafava Dave Grohl uma semana antes em entrevista a António Freitas do Blitz.
No Dramático de Cascais, estiveram cerca de 4500 pessoas. Um pavilhão esgotado em delírio. Na plateia, a energia era maior do que em palco, relataram ao jornal diversos protagonistas com diferentes papéis ao longo desse dia. Kurt Cobain estava “apático” mas aparentemente as pessoas não se importaram. “Para trás ficou um público maravilhado e absolutamente rendido à simplicidade do trio que transformou o punk”, descrevia a reportagem de António Freitas.
Apesar de alguns problemas técnicos e do som abafado do Pavilhão, comparado pela executiva da indústria Gabriela Carrilho a uma “panela de pressão”, a memória dos fãs é de um concerto “visceral”. Ao alinhamento não faltaram canções como Smells Like Teen Spirit, Come As You Are e Lithium, assim como Heart-Shaped Box e Pennyroyal Tea de In Utero.
“Eu, o Krist, e o Kurt somos pessoas normais. Somos novos, zangados, um bocado estúpidos e fazemos muito barulho”, desmistificava Dave Grohl. Eram também muito ambiciosos, ou pelo menos Kurt era. Ser muito bom e muito grande está ao alcance de poucos. Os Nirvana foram-no. E acabaram derrotados pela sua aspiração. Cascais foi uma das últimas paragens desse romance inconciliável entre ética contra-cultural e fome da multidão. Tantas vezes se fala de “noites únicas e irrepetíveis”. Esta foi de facto uma delas.
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