Música Portuguesa – o que fazer com a abundância?
Os primeiros quatro meses completos de 2024 são elucidativos. A música portuguesa passa por um momento espantoso para a dimensão do país. Há abundância, diversidade, exigência e sobretudo uma busca pela identidade que deita por terra o velho complexo de inferioridade para com o exterior. A música criada e produzida em Portugal está entre a melhor que se faz na Europa. É apenas uma opinião, claro, mas não só. É também uma ideia difícil de provar porque os circuitos internacionais, apesar da abertura crescente a geografias descentralizadas, continuam a ser um sonho quando não uma miragem cerceada pela falta de influência geoestratégica de um pequeno território.
É bom lembrar que nas últimas legislativas nem os partidos de nicho foram vocais em relação à cultura. Politicamente, o país vive uma convulsão que nem as eleiçōes estancaram, mas os momentos de tensão e conflito podem ser ideais para tomar decisōes estruturais e romper com hábitos de inércia e falta de visão. A política cultural é decisiva para alavancar a ideia de Portugal como um todo criativo e identitário, e não deixar os artistas (musicais ou de outras disciplinas) à mercê da iniciativa individual e de uma rede de contactos que por mais generosa que possa ser, nunca terá tanta força quanto a de uma estratégia.
Foi assim que a Suécia se tornou um exportador de música pop depois de os Abba terem plantado uma semente. Foi dessa forma que a Islândia exportou os Sigur Rós e nomes como os Múm, Of Monsters and Men, Olafur Arnalds e Daði Freyr, após Bjork ter aberto um precedente (quando estava em Londres). Como Portugal não tem uma embaixadora pop como Rosália – que para singrar globalmente teve de ir para Miami -, o xadrez político é decisivo para soltar tanto talento nos melhores campeonatos do mundo e, sobretudo, estampar um Portugal contemporâneo, capaz de atrair de fora para dentro e consolidar a imagem de uma música portuguesa do e no mundo.
Mas não só. Internamente, falta um circuito mais regular, em Portugal continental e ilhas, para responder ao consumo de música portuguesa que, de acordo com os últimos números relativos às plataformas de streaming, se situa nos 40% de toda a música ouvida – a tendência é crescente e contraria a visão bolorenta de que não há caudal para alimentar a quota de 30% de rádio. Fizeram-se avanços com a rede de auditórios e teatros, há festivais como cogumelos mas falta um circuito paralelo de clubes para outras tipologias musicais e dar palco a nomes com letra mais pequena ao longo do ano e não apenas em época alta. De novo, a visão política para a cultura é fulcral para estimular comunidades, descentralizar a oferta e animar economias locais. Há engenho criativo e público, falta a intermediação. Só dessa forma se podem desencadear consequências ainda mais fecundas.
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