Concertos com História: LCD Soundsystem no LUX
“But I was there”, pedaço do enciclopedismo de Losing My Edge, é um dos ossos centrais para dissecar o corpo dos LCD Soundsystem. A canção fala sobre a ultrapassagem do tempo, como se James Murphy previsse o seu desfecho ainda nos primeiros episódios. Sem surpresa, foi um dos momentos-chave do concerto do Kalorama no último dia de agosto de 2024. Uma troca de correspondência entre projecção e concretização, ou o futurismo com memória observado pelo retrovisor. Uma caixa de ritmos minimal, Murphy no papel de testemunha da sua história e uma torrente punk a infiltrar-se pelo refrão.
“Eu estava lá”, comenta-se no rescaldo. Foi um serão inesquecível como poucos em festivais. Os LCD Soundsystem com uma grande ajuda dos amigos a revisitar a proposta de futuro daquela que foi a banda mais excitante dos primeiros anos do milénio. Uma daquelas noites para guardar no disco de recordações que os telemóveis não salvam. E um transporte a 2005, como James Murphy fez questão de lembrar, ao agradecer ao LUX pela aposta de sempre nos LCD e na DFA como atitude colectiva.
Encontramo-nos em Santa Apolónia a 21 e 22 de junho de 2005. Duas noites esgotadas para sentir a pulsão do momento. De Brooklyn, os LCD Soundsystem. Primeiro concerto em Lisboa mas não em Portugal. Um ano antes, a 19 de agosto, apresentam-se como banda completa num after diluviano em Paredes de Coura para poucas centenas de pessoas. Meses antes, James Murphy, o DJ, agita pela primeira vez a pista do bar do LUX numa festa da MTV encabeçada pelos Scissor Sisters, com primeira parte dos Zoot Woman de Stuart Price.
Nomes perdidos em metadados mas há vinte anos, eram a linha da frente da pop. Price seria o produtor de Confessions On The Dancefloor, o último grande álbum de Madonna. Depois dos anos subterrâneos a cruzar rock com dança, em que a banda-cartaz da editora DFA eram os Rapture (do hino House of Jealous Lovers, de 2003), os LCD atracam em Santa Apolónia já com o álbum branco da bola de espelhos, o primeiro, a infiltrar-se.
Nos LCD, o choque de partículas entre sintetizadores, uma secção rítmica punk cheia de funk (Talking Heads?) e guitarras abrasivas foi sempre um bom conflito entre catarse, prazer físico e aventura. Ainda que nunca tenha descoberto nenhuma pólvora – nem nunca se colocaram nesse pedestal -, os LCD não se limitavam a ser uma digitalização em MP3 da colecção de vinil de Murphy. Reciclavam esse património em rock com vocabulário de clube.
Foi isso que nos entregaram e deixaram em duas noites suadas no LUX. Cançōes empolgantes como Movement e Disco Infiltrator, singles iniciais como o hipnotizante Yeah, o enciclopedismo de Losing My Edge, e as extasiantes Daft Punk Is Playing At My House e Tribulations. Volume, pujança e despretensão. Murphy a comandar a sua tropa mas podia ser um de nós a curtir sem pensar na hora de chegada ao trabalho da manhã seguinte.
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