Lisboa é Grande?
O fecho do Lounge no final do ano vem acender mais uma luz vermelha no painel de sinalização cultural de Lisboa. A cidade está em descaracterização acentuada e o Cais do Sodré, em particular, já conseguiu espantar quase toda a gente que não viajou da Portela. As razões são conhecidas: rendas astronómicas, especulação imobiliária, hotéis e condomínios. Ganância, numa palavra. Se viver em Lisboa já era quase impossível, poder existir na capital cada vez é mais difícil. Nada de novo, se se pensar em casos próximos como os de Barcelona ou cidades-postal como Veneza. Não é de agora, há dez anos que se adivinha este cenário quando o turismo começou a eucaliptar.
No caso do clube da Rua da Moeda, que em maio celebrou 25 anos, nem houve lugar a negociações. A decisão da senhoria em não renovar foi unilateral. “O travo amargo não chega para temperar as memórias de 25 anos incríveis”, pode ler-se nas redes sociais do Lounge ao anunciar o desfecho. É evidente que Lisboa não morre por causa do Lounge e que a perda da sala é apenas mais uma num vasto cemitério, mas deixa um vazio no circuito pequeno-médio e democrático que, no contexto actual de selvajaria económica e curtos-prazos, dificilmente será suprido. Fatalismo ou oportunidade?
Enquanto Londres é pensada e vivida como um todo, Lisboa seca tudo à volta na Área Metropolitana. A programação cultural dos arredores é uma dependência quase exclusiva de teatros e auditórios. Salas como a SMUP, na Parede, a Sala 6, no Barreiro, e a Incrível Almadense, cada uma com a sua tipologia, são oásis de coragem e proximidade. Porque a ideia instituída de tudo acontecer em Lisboa é difícil de contrariar, e resulta do poderio económico e influência política da cidade, mas também de hábitos teimosos.
O fecho do Lounge e o descontentamento dos lisboetas com a sua cidade podia ser uma oportunidade de alterar mentalidades e repovoar o circuito cultural. Observar o rio como elemento agregador e não como barreira. Reconhecer nas periferias lugares de diversidade cultural e étnica – nem todos os migrantes são nómadas digitais, aliás só uma minoria o é -, servir e estimular essas pequenas grandes comunidades sedentas de oferta, saturadas de atravessar a ponte de carro por falta de transportes públicos regulares em horário nocturno e secas por pagar cervejas a 5 euros.
Tarefa simples? Claro que não. São décadas de hábitos culturais. Os arredores não captam o mesmo interesse dos privados. A actividade cultural é um negócio de paixão com rentabilidade lenta e duvidosa. O mecenato ainda olha para estas programações de rock, jazz, afrobeat e house com condescendência e soberba. E o sector público, quando investe, quer retorno em marketing. A visão política é fundamental para fazer da Grande Lisboa uma cidade grande cidade, mas as melhores ideias nascem de sonhos maiores. Quando o Lounge se instalou naquele largo exíguo, em 1999, havia mais carros estacionados do que pessoas a circular a pé. E o Cais do Sodré estava decrépito…
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