
A música no coração da imagem – Cinema
Na morte de David Lynch, a música acompanhou o velório. Twin Peaks não seria a mesma sem os fantasmas angelicais de Julee Cruise nem o veludo azulado de Angelo Badalamenti. Em Estrada Perdida, I’m Deranged de David Bowie abria e fechava as portas do labirinto de obsessōes. No surrealismo de Lynch, a música não era apenas uma cortina vermelha. A relação simbiótica entre som e imagem era parte da história.
A música agrava o impacto emocional da acção. A cena da escadaria de O Couraçado de Potemkin (1925) é um exemplo clássico de teatralização musical para acentuar a carga dramática do massacre. A escolha da banda sonora não só robustece a tensão como situa a história no tempo e no espaço. Nos clássicos de Tarantino, os restos de soul e funk dos anos 60 e 70 são parte essencial da crónica de bons malandros de filmes como Pulp Fiction, Jackie Brown ou Sacanas Sem Lei.
Há cançōes que se tornam inseparáveis da imagem. De Misirlou, o hino surf-rock picado pelas mãos de Dick Dale a My Heart Will Go On, de Celine Dion, em Titanic, ou Flashdance…What a Feeling, de Irene Cara, em Flashdance, a música perde o sentido sem as personagens. Running Up That Hill, de Kate Bush, ganhou vida para além da imortalidade em Stranger Things (uma série). Recontextualizada e reapresentada, projectou Kate Bush e o clássico da pop metafísica à geração do Tik-Tok. Neste caso, como nos ouvidos com memória de Tarantino, a imagem reforma e reaviva a canção.
Alguns filmes nascem com a música em mente, como o musical La La Land. Muitos podem composição de raiz. Duplas premiadas como Trent Reznor e Atticus Ross, que se especializaram em criar imagens através da narrativa sonora, ou Nick Cave e Warren Ellis, ganharam estatuto de compositores que transcende o reconhecimento nos círculos do rock.
Há dois tipos de bandas sonoras. As que escolhem em função da história, ou as que encomendam a música para ser criada de raiz. Bandas sonoras como as de Assassinos Natos (1993), Velvet Goldmine (1998) ou Tron:Legacy (2010) estão entre as mais marcantes da história. Compositores como John Williams, John Barry, Ennio Morricone, Hans Zimmer, Danny Elfman, Bernard Herrmann, Vangelis e Cliff Martinez deixaram a sua marca no cinema através da música.
As notas da saga de James Bond, escritas por Monty Norman e arranjadas por John Barry, para Dr. No em 1962, são parte inconfundível da identidade de 007. Todas as cançōes de então para cá, de Shirley Bassey aos Duran Duran, de Adele a Billie Eilish, respeitaram o padrão de acordes,
A relação entre cinema e música é de profunda interdependência. Não há limites entre a visão e a escuta.
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