Concertos com História #16: Guns N’Roses em Alvalade

guns n roses alvalade 1995

Concertos com História #16: Guns N’Roses em Alvalade

 

Se há concerto que milhares de portugueses sabem de cor sem ter estado presentes é o dos Guns N’Roses em Alvalade. 2 de julho de 1992. A estreia da banda em Portugal ainda com a formação clássica: Axl na voz, Slash, Gilby Clark e Izzy Strandlin nas guitarras, Duff McKagan no baixo, Matt Sorum na bateria e Dizzy Reed nas teclas.

Era a época dos concertos de estádio. Em Alvalade, 50 mil pessoas vindas de todo o país esgotaram a lotação. Outros tantos milhares invejavam-nas e roíam as unhas por não poder pisar o relvado como Balakov e Luís Figo. Lisboa estava num pandemónio para receber não apenas os Guns N’Roses, mas para se deslumbrar com toda a mitologia rock’n’roll, e especular sobre os bastidores.

Chegariam num jacto privado? Onde estariam hospedados? Iriam cumprir horários? Falariam com o público? Como seriam em palco? Os camarins seriam tão recheados de excessos como se contava? Para onde seguiram depois? Não havia redes sociais para aproximar ídolos e fãs. A informação era lenta a gotejar das televisōes e rádios que acompanhavam o acontecimento em directo. Só havia dois canais e a imprensa especializada, encabeçada pelo Blitz, só era impressa semanalmente. Era muito tempo de espera, alimentado por boatos e diz-que-disse.

Em cafés, salas de aulas, quartos de amigos e vizinhos, o concerto era o tema do momento há meses. Se os Nirvana já tinham em Nevermind a Estátua da Liberdade da angústia adolescente, os Guns N’Roses representavam uma outra forma de estar na vida tipificada pela cultura rock’n’roll: o excesso e a transgressão, tal como Kurt Cobain, mas também o exibicionismo, a testosterona masculina, o culto indecente da personalidade, o choque de egos e a impulsividade.

E o que foi o concerto de Alvalade senão esse cocktail explosivo de objectos voadores e ricochetes de mimo? Tudo começou com uns tais de Soundgarden, desconhecidos para quase toda a gente, e um som impotente, típico de banda de primeira parte, para a pujança de Badmotorfinger – só o álbum de Outshined, Rusty Cage e Jesus Christ Pose.

A seguir, vieram os Faith No More. Sim, os cinco contos davam acesso a uma noite que podia ser de festival dez, quinze ou vinte anos depois. Muita gente já ouviu falar do “lance polémico” na área de Axl Rose quando este tropeçou e caiu numa garrafa atirada do público mas nem todos sabem que o primeiro responsável por incentivar esse comportamento foi Mike Patton, o vocalista dos FNM.

Se a tarde já era de verão rigoroso, milhares de corpos juntos ainda pedia mais hidratação. Água e outros líquidos vendiam-se em garrafas e copos de plástico em pequenas barraquinhas espalhadas pelo relvado. Quando acabavam, o público divertia-se a atirá-las, como uma guerra infantil. Foi então que o general Patton se juntou à brincadeira e apelou à plateia: “atirem-me coisas”. O que é que ele foi fazer!?

O palco foi limpo, mas após uma longa espera pelos Guns N’Roses, houve quem se vingasse e atirado uma garrafa para o palco. Axl estatelou-se, ainda cantou Its So Easy prostrado no chão mas, ao fim de dez minutos, debandou. “Quando os Guns entram com Its So Easy e Axl Rose corre pelo palco adentro, como era seu hábito, ele escorrega e mergulha de boca no palco. Em vez de parar o concerto, que era o que faria mais sentido, pelo menos até perceber se estava bem, o comboio continuou a rolar e Axl cantou mais dois temas no chão (Mr Brownstone e Live And Let Die)”, recordava Nuno Bento na retrovisão publicada pela NiT.

Esteve mais de dez minutos ausente, enquanto a banda preenchia a ausência com virtuosismo instrumental. Ainda voltou da birra mas as duas horas e meia preenchidas por clássicos pedidos como Welcome To The Jungle, Paradise City, November Rain e Paradise City, não convenceram. Houve também um segundo incidente quando Axl parou o concerto em Civil War ao observar very lights a voar entre o público. A montanha de distorção parira um rato no estômago.

Decepção, falhanço e fraude. Os Guns N’Roses e Axl Rose ouviram e leram de tudo na ressaca da noite, mas ironicamente o desapontamento generalizado só romantizou ainda mais a sua percepção histórica, e ajudou a eternizar a lenda da banda. Até hoje.

 

Os Guns N’Roses voltam a Portugal a 6 de junho para um concerto no Estádio Municipal de Coimbra.

Bilhetes aqui.

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