Rosalía – Lux
Percebeu-se desde os primeiros anseios de Lux que Rosalía não voltaria apenas para engordar algoritmos. Seria um álbum de ruptura. Um manifesto artístico. Uma antítese da espuma dos dias. O anti-single Berghain confirmou-o. Uma peça exuberante, de erudição maximalista, mais próxima dos tectos do Vaticano ou das paredes do Louvre do que das rádios ou das tabelas de zeros e uns. A seu lado Bjork e Yves Tumor. Ela, representação máxima da pop laboratorial e de um fluxo incessante entre o particular e o infinito, nos últimos trinta anos. Ele, figura central desse vaivém subcultural, e do desejo de absorver e sublimar o desconhecido.
A pop define-se pelo processo simples e padronizado mas sobretudo pelo efeito universal. Em entrevista ao Popcast do New York Times, a catalã deu um murro na mesa com o sorriso tímido e doce que a descreve. “Tem de haver outra maneira [de fazer pop]”, afirmou. Implicitamente refere-se à automação e ao império galopante de artistas gerados por inteligência artificial. Mas não só. Nos últimos anos, o espaço de fruição e debate da cultura popular foi transferido para a mediação. A indústria musical aceitou o poderio tecnológico e metamorfoseou-se numa indústria de criação de conteúdos, que disputa o tempo de atenção com influenciadoras, chefs, naturopatas, feministas e agitadores políticos.
O jogo é desigual e a catalã não quer acabar o dia com as mãos cheias de lama. Para isso, inventou a sua linguagem. Um caldo pop idiomático em que olha para o mundo como já não nos lembramos. Há a lux como halo divino, o misticismo feminino, o encanto pelo belo e a arte do confronto. Há cançōes que retomam do crucial El Mal Querer, ecos da Bjork dos primeiros álbuns e do choque de valores de Kanye West em Yeezus.
Há também a Orquestra Sinfónica de Londres, conduzida por Daníel Bjarnason, uma peça decisiva na escrita desta magna carta, e o poliglotismo de 13 idiomas como exercício de fluência e humanidade. Rosalia esculpiu uma ópera-pop em que a erudição sobe ao povo. É uma peça magnífica de renascimento da arte sublime.
Brava, devolveu a pop ao espaço sagrado da criação, sem perder a universalidade. Em 1997, os Radiohead resignavam-se com sarcasmo a um futuro suspeito e ao qual chamaram de OK Computer. Em 2025, Rosalia fecha o ecrã para rejeitar os ditâmes da hipernormalização. Ela não anda aqui para servir Espressos ou brincar aos casamentos. E expōe com a prática que a adulteração pop dos últimos anos só diminuiu o quilate da ourivesaria e o nível de massa crítica.
A grande renascença de Rosalia é provar que a utopia é possível e vital.
Comments are closed.