GRAMMYS 2023
Salvar a pele. Tudo nos Grammys 2023 soou a operação de resgate a um doente comatoso. Apesar de lhe terem escapado as categorias mais importantes, como a de álbum do ano, Beyoncé passou a ser a recordista de prémios. Viola Davis, outra afroamericana, juntou-se ao restrito clube dos EGOT (vitórias nos Emmy, Grammy, Óscar e Tony). Kim Petras foi a primeira mulher assumidamente transgénero a levar uma estatueta. Kendrick Lamar, um rapper, venceu em duas categorias. Bad Bunny abriu a cerimónia. Jay-Z fechou. Os 50 anos do hip-hop foram celebrados com uma crew comandada por Questlove, dos The Roots. E ainda houve prémios para Rosalía, Bad Bunny ou Lizzo, embora nenhum dos mais importantes. O Álbum do Ano foi para Harry Styles, um clamoroso defensor das identidades e da igualdade de género, com Harry’s House.
Dizia o Presidente da Academia, Harvey Mason Jr., em entrevista à brasileira Veja que os Grammys não são um concurso de popularidade, a propósito do boicote de The Weeknd, depois do titã pop After Hours, não ter recolhido nem uma nomeação em 2021. O problema é que são. Enquanto celebração da indústria, os Grammys só podem ser consequência e não causa. Querem novas tendências? Procurem as listas de melhores do ano de meios especializados. O Mercury Prize ou o Juno. A esta escala, toda a magnitude é sísmica e a Academia foi demasiadas vezes míope num momento crucial de reforma da música popular.
Quando Macklemore conquistou o Grammy de Melhor Álbum de Rap em 2014, levando a melhor sobre Kendrick Lamar, quase foi obrigado a pedir desculpas. A Academia caucasiana ainda estava convencida que podia dizer ao mundo o que o mundo devia achar. E o mundo riu-se. Todas as hipóteses de alguém com menos de 25 anos levantar os olhos do Twitter ou Facebook num domingo de fevereiro à noite, se perderam nesse momento. Quando apenas UMA mulher, Alessia Cara, venceu um prémio em 2018, o caso já não era para graças. Como não olhar para tamanho acto de cegueira se não desconfiar de preconceito?
Na mesma entrevista, Mason Jr. prometia uma reforma progressiva dos membros da Academia, mas a credibilidade dos prémios está ferida de morte, e nem é pela perda substancial de audiências de ano para ano, não compensada pela crónica de costumes de tricot e crochet. A multiplicidade de ecrãs, redes e canais só podia resultar numa atenção fragmentada e nem sempre contabilizada. Visibilidade e compromisso estão relacionados mas separam-se na credibilidade. Ver é uma coisa, dar importância é outra. Os Grammys sempre foram espectáculo televisivo mas o chão que segurava os prémios era o seu reconhecimento, da indústria para o público. Quebrado esse elo, um efeito transversal a outros galardōes como os Brit Awards, perdeu-se o vínculo.
Algo que boicotes deste ano como os The Weeknd, Drake, Bruno Mars e Anderson.Paak (estes enquanto Silk Sonic) apenas confirma. Que têm este quatro grandes em comum? São negros, afro-canadianos, americanos ou, no caso de Bruno Mars, do Havai. A Academia tem um longo lastro de preconceito racial, discriminação e conservadorismo, encapotados enquanto a indústria foi capaz de controlar o gosto colectivo? É esse o problema, e não se resolve numa noite. In this world, you know it’s not the same as it was.
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