Incrivelmente triste
A notícia é: a partir de 14 de fevereiro, não haverá mais concertos no Cine-Incrível, em Almada, devido a decisão judicial após queixas relacionadas com o ruído. A acção foi interposta contra a Alma Danada (gestora cultural do espaço) e a Incrível Almadense (proprietária), por alegado incómodo de ruído sonoro, e o Tribunal Judicial decidiu suspender, até à realização de obras de insonorização, os espetáculos que decorriam no Cine Incrível há mais de uma década. Deste modo, a sala pode apenas funcionar como bar. A promotora Alma Danada diz-nos que foram exigidas mais obras de insonorização depois de terem insonorização certificada desde os anos 90, inclusive foi adicionado um controlador de decibéis (nem sequer é obrigatório em Almada) para maior controlo de ruído mas tudo isso terá sido insuficiente.
O espaço centenário, pertencente à Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, é gerido há 12 anos pela associação cultural Alma Danada que restaurou o edifício situado na Rua Capitão Leitão, em Almada Velha, e o entregou à música. Pela sala, dedicada à arte eléctrica, passaram nomes históricos como Clã, Carlão, Selma Uamusse, Tim, Moonspell, Peste & Sida ou Ena Pá 2000. Na programação era comum a presença de bandas de tributo, entre as quais os Led On, homenagem aos Led Zeppelin interpretada pelos músicos de renome Paulo Ramos, Mário Delgado, Zé Nabo, Alexandre Frazão e Manuel Paulo, assim como as quintas-feira de jazz com nomes consagrados e emergentes.
O Cine-Incrível não só é a única sala com programação regular de concertos em Almada, como é uma das poucas a fazê-lo na Área Metropolitana de Lisboa, fora de Lisboa. Talvez a SMUP, na Parede, seja o melhor termo de comparação. Fazer programação de concertos com a sobreoferta lisboeta tão perto é um acto de coragem e um risco permanente para as finanças, mas foi dessa forma que o Cine-Incrível chegou à dezena de anos de vida sempre a rock’n’rollar.
Este silêncio deixa um vazio cultural na cidade e no distrito porque a oferta do Cine-Incrível se distingue pela diferença, quer na regularidade, quer nas propostas, mas deixa também um sinal de desencorajamento para outros espaços semelhantes pelo país, que se debatem com dificuldades parecidas, como as financeiras ou as relacionadas com o ruído e relação com a vizinhança.
Sem apoios públicos, como os autárquicos, salas como o Cine-Incrível só sobrevivem graças à paixão, carolice e, muitas vezes, sacrifício das vidas pessoais e poupanças de quem as gere. Mas elas são necessárias para manter a chama do palco e dar voz à música marginal, emergente ou experimentada, invisível a multidōes, em festivais, salas grandes, plataformas ou redes sociais.
Em comunicado a Incrível Almadense, enquanto proprietária do Cine Incrível, adianta que mantém toda a disponibilidade para, em conjunto com a Alma Danada, e no respeito integral da sentença judicial manter em funcionamento este espaço cultural da cidade, “que se tornou referência a nível local mas também nacional”.
“A Incrível Almadense procurará junto das entidades locais e nacionais, em especial do poder local e Ministério da Cultura, avaliar caminhos, estimar as obras necessárias e identificar formas de investimento que assegurem, a médio prazo, as obras solicitadas”, escrevem as duas organizações. O Cine Incrível é um edifício de 1921, de interesse municipal.
“Em uníssono, Incrível e Alma Danada, irão procurar soluções, movidos pelo amor à cultura e pela vontade de trabalhar com e para a nossa comunidade, apelando, também, à solidariedade e apoio de todos os que amam a cultura”, adiantam. Aguardemos que sim.
O Cine Incrível está agora a realizar matinés e outros tipos de evento no espaço e os bilhetes encontram-se à venda na See Tickets. Os valores dos bilhetes e das taxas serão 100% revertidos para ajudar a Alma Danada com o recurso judicial. Podem comprar no link abaixo:
https://www.seetickets.com/pt/venue/cine-incrivel-almada/33779
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