O primeiro dia de Agosto é oportuno para fazer um rescaldo parcial da primeira ronda dos maiores festivais de verão. A fome de concertos e o desejo colectivo de reencontro resultou em enchentes, passes e noites esgotados, regressos memoráveis, estreias inesquecíveis, novas memórias para guardar no telefone, e mínimas decepções. Ainda bem.
Entre as noites mais marcantes, Nick Cave foi profético no NOS Primavera Sound, os Gorillaz encapsularam vinte anos de existência na maior enchente do festival, e Little Simz foi um pequeno tornado na estreia em Portugal, assim como os Fontaines D.C. no NOS Alive. Em Algés, o regresso dos Da Weasel esteve à altura do regresso mais aguardado da história da música portuguesa. Os Metallica foram imperadores e Jorja Smith musa. Já os Strokes foram iguais a si mesmos, isto é o desconsolo que vêm sendo há muito. Terão mais oportunidades de se reabilitar?
Obrigado a mudar de casa, o Super Bock Super Rock leva a medalha na categoria de resistência. Em poucas horas, a organização reagiu e conseguiu transportar a casa e o recheio do Meco para o Parque das Naçōes, a anterior residência do festival. Três noites, duas delas de júbilo, e um concerto de uma vida.
No espaço de uma semana, C. Tangana no SBSR, e Stromae, no NOS Alive, apresentaram espectáculos monumentais de arte total, em que todas as dimensōes, musicais, visuais, e conceptuais, coexistem. Seria apenas um acaso feliz, se ambos não representassem uma mesma mudança. Quantas vezes ouvimos um cabeça de cartaz francófono num festival internacional em Portugal, era a pergunta após hora e meia inesquecível. Uma semana depois, a mesma questão, para um protagonista espanhol.
Nos últimos anos, a descentralização da música popular tem produzido fenómenos globais gerados a partir de culturas locais. A transversalidade exposta por Anitta no Rock in Rio também não pode ser dissociada desta reformulação da música popular. É verdade que, artisticamente, Stromae e C. Tangana estão no topo da pirâmide. Multitude e El Madrileño, os álbuns recentes de ambos, comungam de uma visão e de um discurso muito para além da capitalização de uma corrente favorável. Os dois são parte de uma mudança traduzida numa maior democratização da música popular. A dependência energética da música de expressão anglo-saxónica é cada vez menor. Pelo contrário, vemos cada vez mais afluentes da América Latina, de África, da Europa central e do Oriente a afirmar-se. Há um novo ciclo e Portugal tem uma oportunidade para fazer parte deste expresso.
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