CONCERTOS COM HISTÓRIA #9 – KANYE WEST NO COOL JAZZ FEST

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CONCERTOS COM HISTÓRIA #9 – KANYE WEST NO COOL JAZZ FEST

 

Kanye West e Oeiras soa tão irreal que 18 anos podia ser um mito urbano como o do Entroncamento. Mas não foi. A 18 de julho de 2006 quando o mapa de festivais ainda era um deserto comparado com o actual, o hip-hop ainda não disputava horários nobres com o rock e o tempo ainda sobrava para matar, a digressão do clássico Late Registration passou pelos Jardins do Marquês de Pombal, integrado no Cool Jazz Fest que então tinha Oeiras como casa.

 

Podemos arrumar já as curiosidades: estavam cerca de cinco mil pessoas. Muita gente para a altura, um número ridículo para a escala planetária de um Kanye West em descolagem para ser figura planetária. O público podia ser o de um concerto dos Radiohead ou da odisseia dos Daft Punk, um mês depois no Sudoeste. Segundo a promotora do festival, Karla Campos, o rapper aproveitou para comer…tremoços. ‘O que é aquilo?’. Tremoços. ‘Não sei o que é. Quero experimentar’. E foi lá comigo comprar”, contava ao Blitz.

 

Era o Kanye West de Gold Digger (com Jamie Foxx), Diamonds are Forever (baseada num sample de Shirley Bassey) e Touch the Sky (com um teledisco protagonizado por Pamela Anderson), considerado uma das cem personalidades mais influentes do planeta pela Time, fornecedor de beats para Jay-Z, como bem recapitula o documentário jeen-yuhs: A Kanye Trilogy. O génio e louco já lá estavam. Sempre estiveram, aliás, só que eram canalizados noutras direcçōes.

 

A Late Orchestration, recém-editada em DVD, era um espectáculo fabuloso acompanhado por um septeto de cordas (dois violencelos, quatro violinos e uma harpa). Kanye trouxe a orquestra completa a um jardim perto da beira-mar plantado. Chamou a clássica para a contemporaneidade. Já então havia a plena consciência de se tratar da figura de proa de uma mudança de dentro para fora do hip-hop, como o tempo haveria de lhe dar razão – um ano depois, essa afirmação ficava mais clara com a recruta dos Daft Punk para adaptar o instrumental de Stronger.

 

Era um concerto pensado ao detalhe para uma ideia de arte total que haveria de ser levada ao extremo na digressão que aterrou no Sudoeste em 2011. Kanye no centro das atençōes, vestido de blazer e óculos escuros. A orquestra a funcionar como escultura barroca de um cenário criado para elevar a música da escola da rua até à arte intemporal. Como Van Gogh, Picasso, Gauguin, Dior ou Versace.

 

O DN titulava “o triunfo do hip-hop num jardim de Oeiras”.  À distância de 18 anos, talvez fosse maior do que o hip-hop. Era Kanye West a assumir-se estrela e tocar no céu. Era um portal de uma nova era e de um novo mundo a abrir-se. A longa introdução de cordas de Diamonds abriu o cortejo e depois de atirar lenha com um “throw yo’ diamonds in the sky if you feel the vibe”, foi rei e senhor.

 

Fez de You Don’t Know My Name de Alicia Keys,  Get By de Talib Kweli e Izzo (H.O.V.A.), de Jay-Z, suas. A orquestra invocou Eleanor Rigby dos Beatles e Bittersweet Symphony dos Verve. Pass(e)ou por Crazy dos Gnarls Barkley, O single de 2006. Presenteou a profética Jesus Walks. Equilibrou-se no arame de Through The Wire. E acabou com a dupla Touch The Sky e Kick, Push, de Lupe Fiasco, produzida por ele mesmo, em apoteose. Uma noite irrepetível como todas e histórica como poucas.

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