Festivais internacionais em Portugal. Como, quando e porquê?
Que têm em comum Rock in Rio, Primavera Sound, Sónar, Kalorama, Afro Nation e Rolling Loud? Portugal como destino de festivais internacionais com ambiciosos planos de expansão. Uma porta privilegiada de entrada em território europeu por motivos conhecidos: a geografia atlântica, o clima, a hospitalidade, a segurança, a língua (no caso do Rock in Rio), a proximidade (nos casos do Primavera Sound e do Sónar) e o turismo (no caso de Afro Nation e Rolling Loud, que não inocentemente, se realizam no Algarve).
O Rock In Rio foi o primeiro a abrir este trinco. Imaginado pelo publicitário Roberto Medina como um festival de música com ligação umbilical às marcas, arrancou em 1985 no Rio de Janeiro, repetindo-se em 1991 e 2001 na cidade carioca. O primeiro passo na internacionalização deu-se em 2004 com a chegada a Portugal. Lisboa foi a primeira escala de um ambicioso plano de expansão. O momento não podia ser mais oportuno. A edição inaugural coincidiu com a realização do Euro 2004 em Portugal, um evento desportivo de grande porte, que viu a selecção também ela liderada por um brasileiro, Luís Felipe Scolari, chegar à final. A Grécia estragou o grande final mas o efeito galvanizador transitou do futebol para a música e Lisboa passou o teste de fogo.
O Rock In Rio impôs-se de imediato. Há um antes e um depois na oferta além da música, na preocupação com o conforto do espectador, nas exigências técnicas, na forma de comunicar, e naturalmente na relação com as marcas e o marketing. A aposta bem-sucedida serviu de ignição para expandir o festival até Madrid (2008, 2010 e 2012) e Las Vegas (2015). Sem os mesmos resultados. Rio de Janeiro e Lisboa continuam a ser as duas casas do Rock In Rio que este ano regressa após dois anos de adiamentos provocados pela pandemia.
Poucos se lembrarão, mas entre as chegadas de Rock In Rio (2004) e Primavera Sound (2012) a Portugal, o festival de música electrónica inglês Creamfields também alargou o raio de acção a Lisboa em maio de 2007 – e, curiosamente, também no Parque da Bela Vista. Prodigy, Placebo, o concerto de apresentação daquele que viria a ser o derradeiro álbum dos Da Weasel, e DJs como David Morales, David Guetta, Kaskade e 2 Many DJs não foram suficientemente fortes para cavar alicerces. Uma segunda tentativa, dois anos depois, em pleno verão algarvio, não teve sequência, e o Creamfields continuou a operar noutros territórios como a Andaluzia ou Buenos Aires, além da terra-mãe inglesa, mas não em Portugal.
Se o Rock in Rio representa uma nova era nos festivais generalistas, a chegada do Primavera Sound a Portugal simboliza também uma nova aurora: a da proliferação de festivais segmentados, maiores ou menores, ligados a tendências ou à soma destas. Há um contexto que talvez mereça ser recordado. Em 2012, a cultura indie vivia um apogeu e ampliava-se a outros espectros que não apenas o do rock. A tecnologia era terreno fresco e fértil da democratização. Já não eram necessários grandes meios para criar. Nem estúdios faraónicos para gravar. Planos de marketing para comunicar, ou vendedores para distribuir. E as redes sociais aglomeravam todos estes acontecimentos extraordinários. O turismo crescia exponencialmente à boleia das companhias low-cost, hostels e Air BnBs. E o Porto era recorrente em roteiros turísticos. Ainda por cima, um destino bem mais económico do que a maioria das cidades europeias.
A aposta não podia ter sido mais certeira. O NOS Primavera Sound (no início Optimus Primavera Sound) impôs-se como festival de referência, evoluindo da aposta na cultura indie para as novas tendências da música popular, sem restrições de género. A afluência de público estrangeiro é enorme (40% em 2019), e as receitas para a cidade avultadas (mais de 15 milhões de euros em 2018). Por vezes, as diferenças de cartazes entre Porto e Barcelona continuam a gerar excursões à Catalunha, mas é justo reconhecer que o Porto passou a fazer parte do roteiro internacional de festivais, e de tudo o que essa dinâmica envolve.
Ao contrário do Rock In Rio e do Primavera Sound, o Sónar alastrou-se a outros territórios, além de Barcelona, antes de chegar a Lisboa na próxima semana. No entanto, a sua vinda já estava pensada há muito e prevista para 2020, se a pandemia não tivesse alterado planos. Na próxima semana, ei-lo por fim em Lisboa depois de se ter cimentado como um dos acontecimentos da produção electrónica actual, vanguardista ou histórica. De 8 a 10 de abril, a primeira edição local divide-se entre o Pavilhão Carlos Lopes, o Coliseu dos Recreios, o Centro de Congressos de Lisboa, a Fábrica do Pão, a Fábrica da Moagem, e o Factory Lisbon. O cartaz tem peso internacional (Thundercat, Floating Points, Nina Kraviz, Arca, Bicep, Jayda G, Alessandro Cortini) e um forte contingente nacional da Enchufada à Príncipe, para citar os mais sonantes.
O Afro-Nation e o Rolling Loud são como irmãos. Organizados pela Event Horizon, partilham um mesmo lugar e palco – só mudam as datas. O festival de afropop, e parentes próximos, chegou primeiro, em 2019, e trouxe muitas figuras de primeiro plano, como Burna Boy e Wizkid, charters de ingleses, e cerca de 50 milhões de euros ao Algarve. Serviu de tubo de ensaio para o Rolling Loud, um festival que nasceu para um público académico e se transformou no maior do mundo da cultura hip-hop. Depois de Miami, Portimão. Era para ter acontecido em 2020, 2021 não foi possível e 2022 é por fim o ano em que o Rolling Loud estende a toalha na Praia da Rocha, de 6 a 8 de julho, uma semana depois do Afro Nation (1 a 3 de julho). Para começar o verão com tudo a que se tem direito.
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