Ainda te lembras ?



Ainda te lembras?

 

É o regresso mais desejado da história da música portuguesa. Para muitos um reencontro, para outros tantos uma primeira vez. A inevitável reunião dos Da Weasel acontece já este sábado, com honras de horário nobre no NOS Alive e transmissão em directo na RTP. Nenhum dos regressos recentes despertou semelhante desejo, e em alguns casos, de bandas com resultados comerciais mais gordos que a doninha.

Como explicar então esta euforia? Enquanto banda de rock com rimas, mais do que o inverso, os Da Weasel fizeram a ponte da geração do rock, personificada pelos Xutos & Pontapés, para o domínio do hip-hop, encabeçado por Sam The Kid, Valete, Slow J, Wet Bed Gang, Profjam e alguns outros. Mas há mais. A banda almadense abriu portas a contemporâneos como os Orelha Negra ou os Buraka Som Sistema que apesar com todas as diferenças musicais, pertencem a uma mesma família de referências musicais e sociopolíticas. Só esse longo caminho, ao qual também pertencem outras figuras como General D, os Black Company ou Cool Hipnoise, permitiram que alguém como Dino D’Santiago se afirmasse como uma personagem central da conciliação entre diferentes culturas musicais e espaços sociais.

Inconscientemente, os Da Weasel já representavam a colisão de muitos mundos, só que o terreno da afirmação identitária era a música. Como os Beastie Boys nos EUA, a liberdade era maior que o género e as cançōes deambularam entre o rock de Tás na Boa, o hardcore de Dou-lhe Com a Alma, a bossa nova de Toque-Toque, a pop de Re-Tratamento, o dub de Essa Vida, as cordas de Mundos Mudos, o funk pesado de Adivinha Quem Voltou ou a nu-soul de Faz o Que Quiseres, só para citar alguns exemplos. Fusão era o código usado nos anos 90 para designar essa mistura com que aproximaram tribos e construíram novos públicos, junto de uma geração que cresceu não só a saber o verbo de Carlão e os refrōes de Virgul, como a interiorizar e viver cada palavra. Um compromisso solidificado na estrada, graças a dezenas de concertos demolidores, em que evoluíram de outsiders para referência.

A história dos Da Weasel acontece em paralelo com uma série de outras. Por exemplo, a da Antena 3 que agora produz um documentário de iniciação a uma vida nem sempre banal, e à da era dos festivais, iniciada em meados dos anos 90 em cartazes dos quais fizeram parte como o Super Bock Super Rock, Vilar de Mouros, ou o Sudoeste. Já na primeira década dos anos 00, fizeram-se omnipresença por mérito próprio, e até em contraciclo da anglofonia crescente da música portuguesa, com concertos irrepreensíveis e exigentes ao nível do som e da luz – por exemplo, quando deram um baile aos Red Hot Chili Peppers no Rock In Rio. Talvez a repetição tenha normalizado a experiência de os ver em palco mas o fim dos Da Weasel deixou um vazio enorme.

Quase sempre as separaçōes resultam de cansaço ou decadência. A dos Da Weasel não. Saíram por cima, depois de um ano sabático, presciente de uma necessidade de gerir o tempo e o espaço. Saber parar é uma arte. O país é demasiado pequeno para que o êxito constante não redunde em desgaste. Havia essa consciência mas a pausa planeada de um ano acabou por ser um silêncio de mais de dez.

Os Da Weasel regressam no ponto preciso em que nos deixaram, sem sinais de corrosão interior. Num país e época muito diferentes, mas talvez até mais favorável a uma banda que não só escreveu uma página ímpar de história como interferiu decisivamente no rumo da mesma.

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